05/10/2019
:: 5 de Outubro de 1.988. Um dia histórico para o Brasil!
ARTIGO
Por Dra. Ana Carolina Silveira Akel.
5 de Outubro de 1.988, quarta-feira de manhã e tarde chuvosa.
Muita emoção e o sentimento de mudança tomaram conta de todos os brasileiros que assistiam pela televisão e ouviam pelas rádios, a cerimônia em Brasília.
No final da tarde, o país havia concluído a transição entre a ditadura e a democracia e começava a viver um novo período da história.
Com o fim da execução do Hino Nacional, Ulysses Guimarães, deputado federal que se tornou um dos maiores símbolos e referência da Assembleia Constituinte, com a voz embargada e forte, levantou-se, ergueu um exemplar da Constituição e disse:
“Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra!”
No dia 5 de outubro de 1988, o Brasil renascia repleto de esperanças em vistas a um futuro risonho, na busca de uma democracia e o sepultamento do regime militar e de exceção. Esperavam-se dias de paz, democracia, liberdade, prosperidade e inclusão social, tudo dentro do Estado Democrático de Direito.
Passados mais de 30 anos, percebe-se que falta uma discussão crítica, com mais razão e menos emoção e fanatismo.
A nossa CF é boa?
Se sim, por que chegamos a uma situação econômica e social tão grave? A educação está péssima? A saúde pública jogada na vala sem qualquer possibilidade de restauração? A segurança pública, sufocada pela criminalidade urbana e pelo crime organizado? O desemprego atinge um patamar histórico.
O fato é que a corrupção, agora, apenas agora, mostra um lampejo de melhora com a participação do Ministro da Justiça Sérgio Moro à frente e no comando.
A economia tão debilitada, busca com o novo governo, sair do estado de absoluto caos e debilidade para um estágio de coma induzido.
É muito árduo e penoso buscar uma resposta certeira. Dessa forma, o melhor a se fazer é reconhecer os méritos da Lei Maior, sem esconder suas falhas e, quanto a estas, tentar minorá-las.
Inegavelmente, aspectos positivos fazem parte da Constituição de 1988, com conquistas da cidadania e democracia.
Apesar de todo desalento da Suprema Corte Brasileira e a vergonhosa participação de bandidos travestidos em suas togas, é certo que a Carta Magna fortaleceu instituições jurídicas, fazendo com que hoje fosse possível a prisão de poderosos, ainda que ocupem importantes cargos públicos ou possuam poderio econômico.
Um ex-presidente da República preso?! SIM.
O alto escalão da República está sofrendo, pela primeira vez na história a sanção e a defenestração do convívio em sociedade.
Em muitos aspectos, apesar de grandes avanços de direitos e garantias, a CF ficou mais em sonhos do que em conquistas propriamente ditas.
No âmbito especificamente dos Poderes de Estado, no Executivo o presidente da República tornou-se refém do Congresso Nacional, ficando impedido de governar se não contar com o apoio do Parlamento.
No Judiciário, a ampliação da competência do STF fez com que a Corte Suprema se tornasse congestionada, não conseguindo dar conta de sua importante missão.
O Superior Tribunal de Justiça, última palavra em matéria de lei, na realidade tornou-se um intermediário entre o Supremo e as cortes de apelação. Não solucionou em nada, o problema da morosidade, ao contrário, agravou-o porque na prática acabou sendo uma terceira instância.
A primeira e a segunda instância, inundadas de processos e mais processos, sendo ainda incipientes as tentativas de dar celeridade às suas rotinas
Há, ainda, na Carta Política alguns dispositivos constitucionais que se mostram neutros.
Por exemplo, o artigo 3º, inciso I, remete à prática da solidariedade.
É óbvio que devemos ser solidários para com o próximo em qualquer situação. No entanto, isto se pratica a partir da formação de cada indivíduo, sendo a educação recebida na infância o principal fator determinante.
Os exemplos são mais importantes que as palavras. Não será porque está escrito na nossa Constituição que alguém será solidário. Assim, o valor da referência constitucional acaba sendo pouco expressivo, equivalendo ao de um conselho.
Há hipóteses em que transformações na sociedade se deram mais como consequência do espírito do nosso tempo do que por força direta da Constituição. Por exemplo, as uniões homoafetivas. Ao contrário do que se supõe, a Constituição não dispõe a respeito (artigo 226, § 3º).
O que ela faz é vedar a discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (artigo 5º, inciso LXI). Na verdade, o tratamento foi alterado pelos tribunais em razão de movimentos internacionais e da força de manifestações internas sociais que buscaram modificações, reconhecimentos e adequações.
Sendo assim, como a sociedade é dinâmica houve mudanças e o tratamento jurídico precisou acompanhar as mudanças.
Em suma, é claro que existem aspectos positivos e conquistas realizadas com a CF, mas também muitos aspectos continuam sendo sonhos irrealizáveis e utópicos.
No mundo real, não basta que o artigo 5º da Lei Maior garanta o respeito aos direitos fundamentais e nem que os direitos sociais estejam assegurados a todos os brasileiros (artigos 5º e 6º) se não houver como torná-los realidade.
Normas e decisões judiciais não criam dinheiro, empregos e nem suprem as dificuldades econômicas dos estados e municípios.
Portanto, após mais de 3 décadas de sua existência, é certo que boas coisas podem ser comemoradas, mas não sob um o prisma superficial e na ilusão de que a Carta Magna nos confere garantias suficientes para um país próspero e feliz.
Infelizmente, as feridas deixadas por um período podre da política brasileira alicerçado na corrupção e mentiras, onde a política do pão e circo significou a palavra de ordem nos governos anteriores, dificultarão e retardarão as promessas de direitos e sonhos de um País melhor, mais justo, social e digno.
Por enquanto, o melhor a se fazer é lutar e acreditar que o nosso País, apesar de tantas dificuldades e o estado crítico em que foi colocado, poderá ser restaurado com moralidade e ética.
Ana Carolina Silveira Akel, advogada em São Paulo com escritório próprio, associada ao IBDFAM, associada a AASP, lecionou Direito Civil em várias faculdades, curso de extensão universitária (especialização) e Curso Preparatória para o Exame da OAB/SP. Palestrante convidada por várias Subsecões da OAB e Escola da Magistratura.