30/09/2015
:: Ser família, viver em família e ter uma família, o que isso significa agora?
ARTIGO
Por ANA CAROLINA SILVEIRA AKEL
Sempre escrevi que o Direito de Família brasileiro vinha numa evolução, com avanços significativos para a sociedade brasileira. Normas e princípios até então inimagináveis, foram inseridos de forma plena e satisfatória em nossa realidade jurídica nos últimos anos.
A prevalência do AMOR e do AFETO fizeram com que nossos legisladores, aplicadores e operadores do direito olhassem para a família, oriunda de várias formas, com um gosto mais adocicado e menos dogmático. No entanto, de repente, não mais do que de repente, numa quinta-feira de setembro, quando as flores já floresciam, fomos bombardeados com uma avalanche de preconceitos que exterminou, desencantou e murchou todos aqueles que acreditavam na justiça e na igualdade social.
O que estava definido como família até então, deixou de sê-lo.
Lamentavelmente a Comissão Especial do Estatuto da Família, após horas de discussão, aprovou a redação do Projeto de Lei nº 6583/2013, que define a família como “o núcleo formado a partir da união entre um homem e uma mulher”.(g.n). Esse texto foi aprovado com dezessete votos favoráveis e apenas cinco contrários (deputados do PT, PCdoB, PTN e PSOL).
Tal projeto desconsidera vínculos socioafetivos e, consequentemente, afeta o acesso dessas famílias às políticas sociais governamentais.
É certo que essa aprovação atacou frontalmente princípios fundamentais da Constituição Federal atingindo sobremaneira a sociedade que deveria viver sob a égide de normas justas, paritárias e democráticas.
O que fazer agora, com os milhares de aglomerados de pessoas que não são mais tidas como famílias?
Mãe com seu(s) filho(s), pai com seu(s) filho(s), avós com seus neto(s), grupos rearranjados, O princípio da Dignidade da Pessoa Humana acaba de sofrer um grande abalo com consequências imensuráveis.
Onde fica a diversidade? O que fazer para respaldar as inúmeras famílias que merecem o reconhecimento e a tutela do Estado?
Num momento tão delicado de nossa história política, com uma profunda crise econômica que assola o País e com um povo tão carente e temeroso em relação ao futuro, não seria o momento da proclamação de direitos ao invés de retaliação?
O direito de família, infelizmente, deu dez passos para trás, retrocedendo e dando margem ao preconceito tão repudiado por aqueles que clamam por viver num Estado Democrático de Direito.
Deveríamos, no momento, proclamar Direitos e não suprimí-los.
A valorização e o estímulo do Estado à proteção da saúde física e emocional do cidadão, a guarida de todos os direitos sociais, a inclusão efetiva e não a “exclusão”, o auxílio ao terceiro setor, a liberdade de escolha e de pensamento, bem como a igualdade de todos os cidadãos, são direitos que não podem ser expurgados do Estado, ao contrário, merecem total e absoluta tutela.
Essa recente decisão, além de preconceituosa, causará um dano irreparável aos inúmeros entes, já que não são considerados mais famílias. Será que por algum momento existiu, por parte daqueles que votaram a favor desse projeto, o pensamento sobre o que se fará com as famílias ou “entes” constituídos apenas pela figura materna e seu filho(a), ou apenas a figura paterna e seu filho(a), por avós e netos, tios e sobrinhos e filhos adotados por pessoas do mesmo sexo?
E a vanguardista decisão (ADI n° 4277 e ADPF n° 132) do STF e seus consequentes avanços inclusivos?
Que incongruência!!
O inesquecível voto do Ilustre Ministro Ayres Britto atribuiu interpretação conforme a Constituição ao art. 1723 do Código Civil, com o fim de excluir qualquer interpretação que prejudique o reconhecimento da união “contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”.”
Explicando que “o sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica.” (g.n)
E agora?
Que pena!
O que ocorreu no dia 24 de setembro de 2.015, em plena primavera brasileira, foi uma “grande queimada,” acabando não com todo verde das matas e o colorido das flores brasileiras, mas sim com a esperança de muitos que acreditavam, mesmo com todo desânimo que nos cercam, num país onde os sentimentos do AFETO e AMOR eram sementes que poderiam ser semeadas e cultivadas tornando, assim, nosso país menos injusto e mais igual.
ANA CAROLINA SILVEIRA AKEL, Mestre em Direito Civil pela PUC/SP, advogada militante com escritório próprio Akel e Oliveira Advogados, lecionou em graduação, pós graduação e curso preparatória para o Exame da OAB, Associada ao IBDFAM, autora de livros e artigos em direito de família.